O Sancho Pança

O que seria do mundo do cinema se todos os personagens fossem protagonistas? Se todos os bons moços das histórias fossem machões, saradões e infalíveis, o você ia acabar ficando entediado quando fosse ao cinema assistir Missão Impossível XLVII, concorda?

Ainda bem que, graças aos deuses do Olimpo Hollywoodiano, existe o Sancho Pança.

O Sancho Pança é o exato oposto do Clone Bombado. Ele é uma cópia exata do herói, levemente piorada, um pouco menos fodonástico e poderoso. Uma versão light, digamos. Em compensação, enquanto o Clone Bombado é uma ameaça perigosa, o Sancho Pança, apesar de mais fraco, é o fiel escudeiro do herói, um parceiro inseparável, sempre pronto para ajudá-lo a superar os piores obstáculos.

"Wilson, vai buscar o meu café."

A primeira característica do Sancho Pança, e também a mais marcante, é sua amizade profunda e incondicional com o herói da história. O Sancho Pança estará sempre por perto na hora da necessidade, eles sempre enfrentam todos os desafios juntos, e o filme faz questão de mostrar o quanto são parceiros inseparáveis, nos momentos mais difíceis.

O que pouca gente se importa em reparar, claro, é que essa parceria geralmente é de mão única.  Via de regra, é o Sancho Pança que faz tudo pelo protagonista, que o ajuda em tudo, que acompanha tudo que ele quer, e que dá suporte quando o herói o coloca nas maiores frias.

Lógico, você não pagou o ingresso para ver o herói ultra fodão indo ajudar a resolver os problemas de um Zé Mané qualquer, não é verdade? Por isso o Sancho Pança é um autêntico altruísta, que resignadamente dedica a vida a dar suporte ao personagem principal, sem pensar nos seus próprios interesses.

"Que mané homem e mulher o quê!!! Me tragam duas
guerreiras lésbicas seminuas e o filme vai bombar!"

A menos, claro, que os interesses do Sancho Pança sejam o próprio protagonista.

E essa é uma das melhores coisas que podem acontecer para enriquecer o volume de clichês do seu filme. Se o seu herói for homem e o Sancho Pança mulher, ou vice-versa, você já tem de bandeja o gancho para pelo menos 40 minutos de declarações românticas, diálogos sentimentais, mágoas, rompimentos e coisas do tipo. Nada melhor pra encher linguiça em um filme que um casal formado por protagonista e Sancho Pança.

Mas não se esqueça, o verdadeiro Sancho Pança é um altruísta eternamente dedicado ao herói. Portanto, antes de ele se declarar, a dupla tem que passar por várias provações juntos, enfrentar vários perigos, de preferência salvar o mundo ou escapar da morte certa, tudo isso com o Sancho Pança atuando fielmente ao lado do parceiro, demonstrando uma lealdade totalmente sincera e despretensiosa. As demonstrações de paixão só podem aparecer depois que o Sancho Pança demonstrou toda a sua abnegação, e a declaração com a esperada cena do beijo de preferência devem ficar para as cenas finais, depois que já passaram por tudo juntos.

"Sua aranha maldita, eu já disse que é só amizade!"

E por tudo, entenda-se a ameaça de morte iminente, e o momento mais importante da vida do Sancho Pança: a cena em que ele salva a vida do herói.

Todo Sancho Pança que se preza tem esse momento. Afinal, ele tem que mostrar que serve pra alguma coisa, já que passa quase o filme inteiro sendo um peso morto, um clone piorado do protagonista, levemente inferior a ele em tudo que faz.

Até uns 70% do filme, você fica se perguntando se esse ajudante abestalhado tem alguma utilidade além de fazer volume na história. Então vem o grande momento! Por algum motivo durante a luta o herói é derrotado... fica à beira da morte, ou pendurado num precipício, ou tem uma arma apontada pra cabeça, ou é completamente cercado por ciborgues ninjas marcianos. Nesse momento, quando tudo parece perdido, o Sancho Pança tem a sua maior aparição no filme, salva o herói da morte certa, e completa seu ciclo de participação na história. Agora sim, podem partir pra cena do beijo.

Se forem um casal, claro....