O Cota Racial

"Morpheus, você é o meu ídolo, cara!"

O tempo passa, o tempo voa... e a Poupança Bamerindus nem existe mais, porque as coisas continuam mudando sem parar.

Hoje em dia, o mundo não tolera mais demonstrações explícitas de preconceitos nem piadas racistas. Estamos vivendo na época do politicamente correto, dos direitos civis, do discurso igualitário.

E o Cota Racial é um sinal dos tempos. Apesar de ele não ser fantástico nem ultra fodogênico como o protagonista do filme, o novo personagem negro dos filmes é gente boa, inteligente, carismático, leal, carisdoso... um poço inesgotável de virtudes, e sem nenhum defeito. Enfim, um modelo de ser humano!

Mas uma coisa não mudou.... ele continua sendo o único negro da história.

De certa forma, não deixa de ser um avanço. Poucos anos atrás, o destino inevitável de todo personagem negro nos filmes de Hollywood era ser um alívio cômico, falar gírias de gueto com um sotaque engraçado, fazer muitas trapalhadas, enfim, ser o bobo da corte. E pior ainda, ser o primeiro a morrer.

"Ei, defunto... conhece aquela piada do urubu?"

"Uhul! Consegui uma vaga no filme!!!"

Os tempos mudaram, as críticas vieram... e o cinema se adaptou à nova realidade.

O personagem negro nos filmes modernos não é mais um bobalhão engraçado, nem está condenado à morte precoce, mas ainda é um solitário.

Para mostrar que não têm preconceitos, os diretores só precisam colocar UM negro na trama. Não importa se é um filme com uma turma de 20 estudantes dando uma festinha. Se tem um negro, para Hollywood, a cota racial está cumprida, os outros 19 podem ser loirinhos e loirinhas dos olhos azuis, com certeza ninguém vai reparar.

"Além de negra ela é mulher e com cabelo esquisito.
Rápido, alguém fale bem dela, é urgente!!!! "

Apesar da solidão, o Cota Racial tem um benefício muito raro de se achar em Hollywood - ele é completamente imune a defeitos.

Traumatizados com as críticas aos estereótipos do "neguinho bobo alegre" e do "negão montanha de músculos sem cérebro" do passado, os diretores perderam a coragem de desenvolver personagens complexos, e resolveram apelar.

Hoje em dia, todo personagem negro é intocável.

Ele não pode ter defeitos, não pode fazer nada de errado ou moralmente repreensível, não pode ter falhas de caráter, e, principalmente, não pode, em hipótese nenhuma, ser o primeiro a morrer. Na cabeça dos produtores, é como se  tratar alguém como uma espécie de café-com-leite do mundo do cinema fosse o mesmo que não ter preconceitos.

"Olha eu ali no cantinho mamãe!"

A notícia triste, no entanto, é que tudo isso ainda não muda o fato que o Cota Racial ainda é um personagem secundário, de pouca relevância, que está ali na história só pra ser o negrinho gente boa, sem relevância para a trama, e que tudo isso ainda é uma demonstração de preconceito.

Se antes existia uma forma de preconceito aberta e descarada, hoje ela é velada, sutil, escondida debaixo dos mantos do politicamente correto, mas está longe de ser extinta.

Tirando algumas excessões como Will Smith fazendo papéis de Escolhido e de Zé Fodão nos seus filmes, hoje o que predomina é o Cota Racial, um cara que entra no filme só pra fazer número e ser aquele personagem coitadinho que ninguém pode falar mal, deixando você na impressão que os diretores do cinema são muito gente boa e não fazem nada preconceituoso.